Comunicação, um caminho para a felicidade

Hermano Portella Leite
12 min readMay 1, 2021

Existem alguns temas que são extremamente importantes para o desenvolvimento de uma vida saudável, mas que não são ensinados ao longo da vida.

Na minha experiência assuntos como: Finanças, comunicação, ou até cuidar de casa, são exemplos de habilidades importantes para a construção de um futuro saudável, mas que não são abordados, discutidos ou ensinados, seja na escola, seja em casa. E isso piora uma vez que a sociedade é falha e, em sua maioria, acaba ensinando abordagens erradas e problemáticas que podem levar a pessoa para longe da felicidade tão desejada.

Nesse texto quero focar em uma dessas habilidades, e como percebi sua importância por meio de um livro que li. Vou compartilhar também alguns aprendizados interessantes que pude absorver da leitura.

A competência em questão é a Comunicação.

Gostaria que você parasse alguns segundos antes de continuar a leitura e refletisse em como você se comunica:

  • Você consegue se fazer entender por outra pessoa?
  • Como você reage quando tem que se comunicar em um estado de stress?
  • Você já parou para pensar no efeito das suas palavras nas outras pessoas?
  • Você já prestou atenção em como você se comunica com você mesmo?
  • Você sabe se ao ouvir alguém, essa pessoa está se sentindo confortável e entendida?

E como já abordamos no início, vivemos em uma sociedade falha, machista, preconceituosa, entre outros problemas. Então trago a reflexão:

Se você nunca estudou ou ao menos refletiu sobre sua comunicação, possivelmente está se comunicando de forma violenta.

O livro é o "Comunicação não-violenta" do Marshall Rosenberg, e bem no início me peguei pensando em quantas amizades são desfeitas por falta de comunicação ou quantos relacionamentos morrem por uma frase mal colocada. Estamos o tempo todo nos comunicando, tendo necessidades e às expressando por meio de palavras, e é importante fazer isso de forma eficiente e saudável, tanto para pessoa que está falando quanto para a que está escutando. O livro coloca conceitos muito interessantes sobre a comunicação, e vou escrever aqui sobre os três que mais me chamaram a atenção:

  1. 4 passos para se comunicar;
  2. Ouvir é sobre ter empatia;
  3. Nosso maior ouvinte somos nós mesmos.

Nos próximos parágrafos, vamos explorar cada um desses pontos mais afundo.

4 passos para se comunicar

"Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando. Somos levados a nos expressar com honestidade e clareza, ao mesmo tempo que damos aos outros uma atenção respeitosa e empática"

Logo no primeiro capítulo o autor apresenta os 4 componentes da comunicação não-violenta:

  • Observação
  • Sentimentos
  • Necessidades
  • Pedido

Para explicar cada um deles, relembre sua última conversa com alguém do trabalho, com seu companheiro ou companheira, ou até com você mesmo. Vamos aplicar os 4 passos da CNV.

Observação

O que de fato aconteceu? Descreva para você mesmo o acontecimento, buscando evitar ao máximo julgamentos ou avaliações, focando apenas nas ações concretas observadas e como elas se relacionam com você. Tente fazer como se fosse relatando uma cena de um filme, com personagens, cenário e contexto. Qual foi o assunto da conversa? Quanto tempo ela durou? Onde ela aconteceu? As pessoas envolvidas na conversa estavam felizes, animadas, tristes? Teve alguma fala específica que te marcou? Busque o máximo de detalhes. Claro que na hora que você estiver conversando com alguém não será possível fazer tudo isso, mas a ideia aqui é entender o significado desse passo e aos poucos ele será mais natural.

O importante dessa etapa é buscar se conectar com o acontecimento, da forma mais sincera e despida possível, observando apenas os fatos.

Sentimento

Quais os sentimentos você percebe em você ao relembrar o acontecimento? É importante que busquemos utilizar palavras que se conectem com as emoções específicas em vez de palavras vagas ou genéricas. Frases como "sinto-me bem" ou "sinto-me mal" não contribuem muito na construção da comunicação. Para mim, essa etapa é bem difícil uma vez que meu vocabulário de sentimentos é bem limitado. Uma técnica interessante para explorar e amadurecer minha relação com os sentimentos que aprendi, foi a de buscar algum outro momento da vida que remeta a situação em questão, completando a frase "Essa situação me lembra de quando eu …". Feche os olhos e se deixe viajar pelos seus sentimentos e lembranças e se algo lhe vier à cabeça, não ignore, tente entender qual a conexão entre os momentos e quais os sentimentos em comum.

Buscando evoluir nosso vocabulário de sentimentos o quarto capítulo do livro apresenta uma extensa lista de sentimentos para que consigamos articular melhor nossos estados emocionais. Alguns exemplos são:

  • agradecido, animado, atônito, calmo, concentrado, curioso, encorajado, esperançoso, fascinado, feliz, interessado, maravilhado, otimista, pleno, relaxado, satisfeito, seguro, sereno, tranquilo, útil, vivo...
  • abandonado, aflito, angustiado, ansioso, apavorado, bravo, cansado, cético, chocado, ciumento, culpado, desanimado, enojado, entediado, exausto, frustrado, impaciente, inquieto, magoado, perturbado, triste…

Necessidades

Quais são suas necessidades, valores ou desejos que estão, ou não, sendo atendidos para que aqueles sentimentos listados aconteçam? Se for um sentimento positivo, estará conectado a alguma necessidade sendo atendida. No caso de um sentimento negativo, então se relaciona a uma necessidade não atendida. Essa etapa exige um grande autoconhecimento pois temos que, além de ser capazes de identificar a necessidade relacionada ao sentimento, aceitá-la. Queremos ser fortes e sem defeitos, ainda mais em uma discussão… e nem sempre é fácil aceitar que temos uma necessidade que por vezes pode expor uma insegurança. Assim como com os sentimentos o livro apresenta exemplos de necessidades que a maioria dos seres humanos tem, alguns exemplos listados são:

  • autonomia, celebração, autenticidade, significado, aceitação, amor, apoio, apreciação, calor humano, compreensão, empatia, encorajamento, consideração, honestidade, segurança emocional, respeito, diversão, riso, inspiração, abrigo, água, alimento, ar, descanso, movimento, proteção, toque.

O autor traz a ideia que ao ouvir uma crítica, a reação natural é a de autodefesa e contra-ataque, então quanto mais pudermos demonstrar nossas necessidades não atendidas, e nos conectar às necessidades da outra pessoa, mais fácil será ter compaixão.

Pedido

Ao observarmos o acontecimento, nos conectamos aos sentimentos que surgiram a partir dele, e entendemos as necessidades relacionadas aos sentimentos, temos uma boa compreensão de como a situação nos impactou. Agora vem a importante parte de expor isso ao outro de forma clara, concreta e honesta. Essa etapa é um desafio, pois ela exige paciência, já que em uma conversa (principalmente em uma discussão acalorada) nossa cabeça fica fervilhando de coisas para falar. E acredito que isso cause dois problemas: Primeiro que dificulta a conexão com a outra pessoa, uma vez que ao invés de estar escutando, estamos criando novos argumentos. E segundo que normalmente não buscamos apresentar nossos pontos de forma clara, concreta e sincera. É importante respirar, e entender que a melhor forma de se comunicar é se conectar.

Marshall coloca que o objetivo do pedido não pode ser mudar a outra pessoa e seu comportamento, pois seria então uma exigência ao invés de um pedido, mas sim "estabelecer relacionamentos baseados em honestidade e empatia, que acabarão atendendo às necessidades de todos". O livro propõe que o pedido seja feito de forma positiva, evitando falar sobre o que não estamos pedindo. E deve também evitar ser vago, demonstrando o que se deseja que a outra pessoa faça, e como isso se conecta com seus sentimentos e necessidades. Por fim, também é explorado a possibilidade de por vezes validar se o pedido foi realmente compreendido, seja perguntando à pessoa se ela compreendeu o pedido, ou pedindo para repetir com suas próprias palavras. E caso o pedido tenha sido compreendido, e se perceba uma atitude positiva para realizá-lo é interessante dar um feedback positivo e demonstrar o quão feliz isso te faz. Parecem coisas meio óbvias, mas é impressionante o quanto essas questões tornam a comunicação mais clara e eficiente.

Não. Não é algo simples aplicar os componentes da comunicação não-violenta, e o livro propõe que não sejam regras escritas em pedra que devem ser seguidas à risca em toda comunicação. Cada caso é um caso e a comunicação exige improviso e capacidade de reação, e por isso que o livro propõe que se conheça todos esses componentes e que se busque colocar energia positiva para utilizá-los nas comunicações. Penso que os componentes servem para dar uma organização a CNV, tornando mais fácil de ser compreendida e estudada. Mas o importante é entender o processo e os objetivos que cada etapa traz para a forma de se comunicar. Esse texto vai continuar aqui, então da próxima vez que estiver estressado, volte e repasse os passos da CNV, verá que será muito mais fácil se expressar.

Ouvir é sobre ter empatia

Após apresentar os componentes da comunicação não-violenta, o livro fala sobre a etapa de ouvir o que os outros estão observando, sentindo, necessitando e pedindo. E confesso que sempre me considerei uma ótima pessoa para ouvir, um excelente ombro amigo. Busco dar bons conselhos, demonstrar situações parecidas que aconteceram na minha vida, e empoderar mostrando o quão forte o locutor é.

Mas o livro me mostrou que ouvir é muito mais do que isso.

"Em vez de empatia, tendemos a ter uma forte premência de dar conselhos ou encorajamento e de explicar nossa própria posição ou sentimento. A empatia, por outro lado, requer que se concentre plenamente a atenção na mensagem da outra pessoa. Damos aos outros o tempo e espaço de que precisam para se expressarem completamente e sentirem-se compreendidos."

Isso para mim foi de grande aprendizado, e me remeteu às várias vezes em que busquei apenas ser escutado e acabei recebendo conselhos que não buscava ou experiências de vida que, naquela hora, não me importavam, e como isso foi frustrante. Foi aí que me caiu a ficha de que não era tão bom ouvinte como imaginava, e me enchi de felicidade de perceber isso e poder evoluir. Ficou muito claro que quando uma pessoa está falando, o que ela mais deseja é ser escutada, ser compreendida de forma sincera e completa. Ouvir é sobre ter empatia, e conforme definido pelo livro, "Empatia: esvaziar a mente e ouvir com todo nosso ser".

E ouvir com empatia serve tanto para aqueles momentos de ombro amigo, quando estamos conversando com alguém que nos está relatando uma situação, boa ou ruim, quanto para discussões e argumentações, sejam elas tranquilas ou mais acaloradas. Como apresentado no início desse texto, em geral somos ignorantes em como nos comunicar, então é comum utilizarmos um caminho tortuoso para falar o que queremos. Ainda mais em uma discussão em que estamos estressados e nossas palavras estão carregadas de emoção. Porém o livro coloca que independente das palavras utilizadas para se expressar, sempre é possível escutar o que a pessoa está observando, sentindo, necessitando e pedindo, e é nisso que devemos focar nossa atenção. Faça o exercício, tente identificar quais os sentimentos e necessidades estão sendo expressados na fala do outro, busque, para isso, entender o contexto em que aquilo foi dito, assim como as emoções históricas que todos nós carregamos ao longo da nossa vida. Por vezes uma fala está mais relacionada a um sentimento vivido no passado do que ao que está sendo discutido no momento. Outro ponto importante é sobre a importância de dar espaço para a fala do outro, evitando quebrar seu fluxo de pensamento. Muitas vezes as primeiras frases são apenas a ponta do iceberg.

Entender os componentes da CNV na fala do outro não é uma tarefa fácil e, com certeza, por vezes faremos uma avaliação errada desses. Então o livro apresenta uma interessante ferramenta para ser utilizada na busca de compreender a mensagem, parafrasear por meio de uma pergunta. Isso dá a oportunidade para a pessoa que está falando corrigir qualquer coisa que tenhamos entendido errado, além de permitir uma reavaliação de sua fala e um aprofundamento dos seus sentimentos. Podemos concentrar a pergunta em algum dos componentes da CNV que estamos buscando confirmar, por exemplo:

  • Observação: "Você está se referindo ao dia que estávamos conversando no carro voltando da casa da sua mãe?"
  • Sentimento e necessidade: "Você se sentiu angustiado porque não podia sair de casa durante a pandemia?"
  • Pedido: "Você gostaria que eu participasse mais da organização da festa?"

Lembrando que o mais importante é estar disposto a querer compreender o lado do outro de forma empática e sincera. Mas podem existir situações em que não estamos aptos a oferecer empatia, por cansaço, ou por não conseguir compreender os sentimentos do outro ou até por não estarmos sendo empáticos com nós mesmos. E para esses momentos podemos simplesmente respirar, ou até nos afastar, e buscar primeiramente ter empatia conosco pois "Precisamos de empatia para podermos dar empatia".

Nosso maior ouvinte somos nós mesmos

Você já parou para pensar que está o tempo todo se comunicando com você mesmo? Que quando estamos pensando ou refletindo, estamos falando e ouvindo ao mesmo tempo? E se estamos falando e ouvindo, será que estamos falando de forma não violenta e ouvindo de forma empática? A todo momento estamos sentindo, tendo necessidades e reagindo a isso de alguma maneira. Por vezes ficamos felizes com como agimos e às vezes nos arrependemos, dependendo se nossas necessidades foram atendidas ou não.

Fiquei impressionado como trabalhar e evoluir a comunicação toca em pontos pessoais profundos, como motivação por trás de nossas ações, auto compaixão e auto perdão. E o livro dedica um capítulo para abordar essa conexão com nós mesmos, inclusive colocando que é nessa comunicação onde a CNV se mostra mais importante, pois se estivermos lidando de forma violenta com nós mesmos, será difícil ter compaixão com o próximo.

Este capítulo apresenta técnicas interessantes para desenvolver a comunicação interna utilizando a CNV. Uma delas é evoluir a forma como analisamos ações do passado as quais nos arrependemos. O livro comenta sobre a importância de compreender quais necessidades estávamos buscando atender e quais não foram atendidas. Por exemplo, quando a gente se arrepende de ter dormido até mais tarde é porque priorizamos o conforto e o sono ao invés de qualquer necessidade que existia para ter acordado mais cedo.

Além disso, também é apresentado o perdão como uma comunicação empática com as duas versões de nós mesmos, a que se arrepende de uma ação do passado, e a que executou aquela ação. Usando o mesmo exemplo de ter dormido até mais tarde, ao invés de julgar o seu eu do passado como preguiçoso, porque não ter uma conversa empática tentando entender os motivos que o levaram a querer dormir mais tempo e quais necessidades deixaram de ser atendidas com essa atitude que geraram um sentimento ruim. Essas técnicas facilitam o aprendizado com nossas ações passadas a fim de melhorar nossa ações futuras. E, sobretudo, que essa evolução pessoal se dê por motivações corretas e positivas, evitando que seja por ódio ou vergonha mas sim pelo desejo de estarmos mais realizados e conectados com nossas necessidades.

Isso se conecta com um dos pontos que mais me chamou atenção nesse capítulo: Que devemos compreender o propósito por trás de cada ação que realizamos.

Propósito sempre me pareceu uma palavra muito abstrata e distante, porém aprendi que ela deve estar presente no nosso cotidiano, sendo o impulsionador de todas ações que fazemos. E é pela busca do propósito das nossas ações, que que teremos uma maior conexão com as nossas necessidades, objetivos, motivações e prazeres.

"Não faça nada que não seja por prazer!"

O autor apresenta uma técnica em três passos para buscarmos o propósito por trás de nossas ações:

  1. Liste tudo que você tem que fazer mas que não ache prazeroso. Ex: Acordar cedo, Lavar a louça, Fazer comida…
  2. Olhe para a lista e reconheça que está fazendo cada item dela porque escolheu fazer. E coloque a palavra "escolho" na frente de cada item. Ex: Escolho acordar cedo, Escolho lavar a louça, Escolho fazer comida
  3. Entre em contato com a intenção por trás da escolha, completando a frase. "Escolho … por quero …".

Esse não é um processo simples, mas a partir do momento que entendemos que todas nossas ações são escolhas diárias que fazemos, e compreendemos a motivação por trás de cada uma delas, podemos identificar àquelas que fazemos mas não entendemos seu propósito, e trabalhar para eliminá-las da nossa rotina. Faça essa lista, faça várias vezes, e busque se conectar com suas ações e as motivações por trás delas. Você é dono das suas escolhas, faça apenas o que te faz bem, você merece.

Espero que esse texto tenha contribuído de alguma forma, e que os pontos apresentados façam sentido para você. Recomendo fortemente a leitura do livro pois são apresentados diversos pontos que não foram abordados aqui e tudo é apresentado com exemplos que facilitam a compreensão.

Para concluir vou colocar aqui as anotações que fiz enquanto lia o livro, talvez alguma delas se conecte com você.

  • Comunicação alienante. Formas de pensar e se comunicar que bloqueiam a compaixão. "Ele fez isso porque é mal…", "Ele é mais chato que ela…", "Você nunca faz nada…", são exemplos de falas que bloqueiam a compaixão.
  • Observação vs Avaliação.
  • Não sabemos expressar nossos sentimentos, e isso dificulta a comunicação.
  • Temos que entender como a gente se sente quando escuta alguma coisa. E precisamos expressar mais por meio de nossas necessidades e não de nossas avaliações.
  • Pedido vs Exigência. Ser claro com os pedidos.
  • Solidariedade != Empatia. Empatia == Presença
  • Observações. Sentimentos. Necessidades.
  • Empatia é escutar a alma. Não responder, não sugerir, não falar das experiências parecidas. Só escutar.
  • Evitar dizer "eu deveria ter feito diferente", isso dá a impressão que não havia outra escolha e que éramos obrigados a fazer. Não estimula o aprendizado.
  • Julgar é uma necessidade não atendida. Quando você julga que fez algo errado, é porque teve alguma necessidade não atendida. Tenha empatia com aquele seu eu do passado que errou, entenda qual necessidade ele buscava atender quando cometeu o vacilo. Com essa compreensão e empatia a evolução é inevitável.
  • Julgar as pessoas não vai gerar resultado. O melhor é entender quais necessidades nossas não estão sendo atendidas.
  • É muito melhor buscar entender o coração do que a cabeça. Buscar ter empatia com o que a pessoa está sentindo.
  • Quando receber um elogio, cuidado com falsa modéstia. Receba verdadeiramente comemorando o bem realizado.

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